Net 7 Mares
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A MINHA FANTASIA RODRIGUEANA
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Os meus leitores, essa meia dúzia de pacientes gatos pingados que, juntos, não creio que consigam lotar uma Kombi, hão de estar lembrados das referências que, aqui e ali, faço da minha fantasia rodrigueana, um arranjo lúdico que inventei. Pois bem... Por causa do excerto acima, devo alongar-me um pouco sobre o tema. Vamos então à fantasia: Admirador que sou das obras do memorável escritor e cronista Nelson Rodrigues, inventei, num brinquedo literário, um Nelson que, renascido no espaço cibernético, voltava à ativa. O célebre cronista, ao mesmo tempo em que se queixava de não ter existido, na sua época, essa recente maravilha da comunicação, a Internet, de cuja aparição ficou sabendo mesmo estando no Além, lamentava ver a grande rede literária entregue às baratas cibernéticas, configuradas na proliferação de textos que são postados nos sites literários e grupos de discussão, onde, principalmente nesses últimos, a esmagadora maioria ignora solenemente quase tudo o que ali é postado, ou seja, ninguém lê coisa alguma de ninguém. O fato de uma multidão ocupar-se apenas em enviar textos, maioria, de gosto duvidoso e que ninguém lê, parecia ao ex-cronista um desperdício abominável, advindo daí a razão do seu retorno.
Por razões óbvias, visto que não mais vive entre os vivos, Nelson teria de voltar a escrever por outra via que não fosse a carnal. Poderia, então, retornar pelos atalhos da macumba, em meio a batuques mântricos, ou via sessão espírita kardecista, onde passaria seus textos pelas mãos e mente de um médium; e foi por conta dessa sua necessidade de expressar a sua indignação, que o Nelson entendeu de usar-me como canal da sua veia literária, e fá-lo-ia, inspirando-me ou atuando sobre as minhas faculdades mentais criativas. Convém alertar logo que, para desapontamento dos meus leitores que apreciam ler sobre peripécias sobrenaturais, devo alertar desde já que nada disso deveria acontecer quando eu me pusesse a escrever sob a influência literária do grande escritor uma vez que ele preferiu atuar em mim de modo diferente: não passaria texto algum por nenhum daqueles meios sobrenaturais; em vez disso, compareceria apenas com a inspiração sobre a minha mente, sem me expor àquelas contorções e espasmos sensacionais que acontecem nas tendas espíritas suburbanas.
Vamos então aos detalhes desse primeiro encontro com o escritor: De início, devo revelar que não me assustei nem um pingo com essa primeira aparição do Nelson. No encontro entre mim e ele, houve apenas uma constatação: a de eu não ter me espantado com a sua presença, sentado muito à vontade no surrado sofá da minha sala, na forma de uma imagem impalpável. Ora! Seria a coisa mais natural do mundo eu sentir, pelo menos, algumas palpitações ante tão inusitada visita; no entanto, nem isso aconteceu. Nelson chegou como um velho conhecido que vem à minha casa para jogar conversa fora. Desse modo, quando dei por ele sentado muito naturalmente na minha velha poltrona, despejei numa caneca próxima um pouco do café que esfriara na garrafa térmica destampada, ofereci ao nobre visitante e disparei logo: — E aí, Nelson? O que me contas? O meu visitante tomou um gole da bebida sem graça e, enquanto acendia o indefectível cigarro "mata-rato", respondeu com a mesma e conhecida voz cavernosa: — Estou voltando. Dei dois passos para trás e dois para frente: — Voltando?! Alvíssaras! Tê-lo-emos de volta então! Mas, como? Ressuscitaste? Queres dizer-me que voltaremos a ter os teus polêmicos textos nos jornais de novo? — Fisicamente, permaneço mortinho da silva, mas voltarei a escrever pela tua cabeça. O susto, que deveria acontecer no avistamento dele, sentado no meu sofá, aconteceu nesse instante, levando-me a sentar também na poltrona defronte a ele: — Desembucha, homem. Como vai ser isso? O escritor, na sua fantasmagórica aparição, depois de discorrer sobre os motivos do seu retorno, já colocados acima, pôs-se, então, a desfiar sobre as razões da escolha ter recaído sobre mim: — Sei que és um leitor ávido das minhas obras, e que tens, como principal hobby, o exercício da escrita. Influenciado pela leitura dos meus livros, acabaste absorvendo muito do meu estilo. Isto é o que basta para teres sido escolhido. Estas foram as principais razões que me apresentou. Depois, vinham as obsessões, que, tal como ele, também tenho, sendo uma destas a utópica expectativa de ver, na Internet literária, o nascimento da nova literatura, alavancada pela interatividade instantânea na resposta imediata a tudo o que é escrito. Nessa minha obsessão, eu vislumbro a possibilidade desse atalho que, encurtando o caminho entre escritores e leitores, fará surgir novos valores. A boa Gramática, mercê de esperados comentários didáticos, retornaria aos textos... Enfim, um crescimento rápido e gigantesco do mundo literário aconteceria nessa sonhada nova literatura. Algumas outras coincidências colaboraram também para a escolha do Nelson: sofri de úlcera tal como ele e, do mesmo modo, fui um inveterado tabagista. Mas, antes, tranqüilizou-me sobre a forma como atuaria, removendo qualquer ligação com aqueles faniquitos contorcionistas que vemos acontecer nas sessões espíritas, conforme já dito. Sua atuação se resumiria em inspirar-me nas crônicas. — Mas, alto lá, Nelson! — redargui, defensivo — Devagar com o andor, que o santo é de barro. Há muitos outros que têm essas mesmas características que viste em mim... — Mas são aquilo que chamo de "idiotas da objetividade" — cortou-me ele. — Aí temos uma expressão tua que nunca entendi direito. — Os "idiotas da objetividade" não admitem a fantasia, meu caro. Vivem a fantasia da vida, mas abominam a fantasia que deve existir dentro da própria fantasia. Negam, portanto, a vida que deveriam viver. Ora! Sendo tu a fantasia personificada, que acontece até no teu pseudônimo “Net 7 Mares”, ninguém melhor para dar prosseguimento às minhas novas crônicas. Minhas, não; nossas, porque, não podendo atuar no mundo físico, contribuirei com a inspiração e com o estilo apenas, que, de resto, já o tens em bom tamanho até no tratamento que usas nos teus escritos nessa rara preferência pela segunda pessoa do singular. — Tá bom, Nelson — concordei, a princípio, só para ver até onde iria o seu plano — Mas imagino que devo adotar algumas providências, alguns preparativos, antes de mergulhar nessa missão. Nelson balançou a cabeça afirmativamente: — Pouca coisa. Terás de arranjar um "padre de passeata" e um Alceu de Amoroso Lima — disse, referindo-se àqueles dois personagens que ele, sistematicamente, usava nas crônicas como alvos de suas alfinetadas. Não tive como conter a irreverente gargalhada: — Endoidaste, homem? Bem se vê que, de lá do Além, de onde vens, sabe-se bem pouco |
do que acontece por aqui. Onde vou encontrar coisa do porte de um Dom Hélder, o teu “padre de passeatas”, e mais um Dr. Alceu, ou Tristão de Athaíde neste deserto de idéias em que se encontra a Internet literária? E ainda dizes que é pouca coisa! O falecido nem se abalou: — Sei que será dureza, mas encontrarás — profetizou — Te ajudarei nisso. Ainda que estando do lado de fora, preciso participar desse movimento internauta, que, no meu tempo, não existia nem em sonhos. — Tenho cá as minhas dúvidas — rebati — porque o que a gente vê na Internet literária é de fazer qualquer literato chorar aquelas tuas “lágrimas de esguincho”. Antigamente, há coisa de 15, 20 anos, nos grupos de discussão literários, faziam tudo, menos discutir literatura. O que mais faziam os membros era enviar, para a lista de mensagens do grupo, enxurradas de textos insípidos com sérios indícios de terem sido tirados de diários de adolescentes. Em quase todos os grupos de literatura, a figura egoística dos "rádios comunitárias", aqueles que enviam, num só dia, trocentos textos e — o que é pior — com peso excessivo, era de uma irritante freqüência, e não adiantava alertá-los de que, com a prática abusiva, o que conseguiam era terem os seus endereços de e-mail barrados em filtros do Outlook. Se no grupo aparecesse alguém com alguma idéia inovadora, era solenemente desprezado e, se insistisse, moderadores de nariz em pé tratavam logo de enxotá-lo porta afora, como se o ousado fosse um cão sarnento. Alguns moderadores, ou melhor dizendo, "modeditadores" praticavam a odienta censura prévia nas postagens, bloqueando e removendo mensagens cujo conteúdo julgavam impróprio, como se os membros do grupo fossem um bando de crianças em idade de jardim de infância; chegavam ao extremo de não permitir comentários na lista de mensagens. Quem quisesse comentar, que enviasse o seu comentário em PVT para o autor do texto. Fora desses grupos, quando eu comenta- va com sinceridade alguma obra que me era enviada em mensagem de e-mail, o autor da coisa cai em cima de mim com pedras de todo tamanho, reclamando do meu estilo ferino. O que já briguei por causa desse cenário desolador compara-se a qualquer dos doze trabalhos de Hércules, e o que consegui foi, além de colecionar um rosário de expulsões em grupos, uma penca de inimigos ferozes. Nem no grupo onde permaneci por mais tempo, o Ateneu, escapei da pancadaria; e se Valdez, o moderador do grupo, não fosse um santo de paciência, eu teria amargado mais uma expulsão. Fiz de tudo para mudar, um pouco que fosse, esse quadro. Caí de pau sobre concursos fajutos de poesias de cartas marcadas, que cobram dos autores para cada obra inscrita, e publicam o resultado, dizendo que a obra vencedora foi decisão de uma banca de examinadores, mas não citam os nomes dos mesmos, ocasião em que, na jactância de que são santos desconhecidos, transportam para o nível de idiotas e palhaços os autores que inscreveram seus escritos na arapuca. Combati gente safada que comenta sobre terceiros, sem lhes enviar a devida cópia da mensagem; abri um grupo para receber os injustiçados, que, no entanto, não aparecem por lá; compareci a inúmeros encontros literários, a ver se encontrava pessoalmente alguns dos inimigos com os quais eu pudesse debater idéias cara a cara, mas os danados, sabendo que eu lá estaria, jamais apareciam em nenhum. Enfim, nada adiantou. Mais recentemente, imaginando que tivesse havido alguma mudança nesse cenário desolador, entrei em busca por grupos literários, e encontrei uma infinidade no Facebook, mas tudo muito diferente de como era há alguns anos, quando as comunicações se passavam via mensagens de e-mail. Cheguei até a percorrer o interior de alguns, e o que vi foi o Facebook transformado em disco virtual de multidão de desocupados que usam o espaço gratuito para guardar as suas literatices. Nesses grupos, ninguém comenta texto algum de ninguém, simplesmente porque ninguém lê nada de ninguém, a não ser o dono do terreiro, que, em homenagem à própria vadiagem, consome tempo, criando e enviando, para o próprio grupo, textos que somente ele irá ler. E é nesse mundo surdo e mudo que pretendes que eu encontre coisa parecida com um Dom Hélder e um Dr. Alceu? Meu famoso interlocutor, em gestos preparativos de saída, ergueu-se do sofá, bebericando o resto de café frio que eu lhe servira: — Já te disse: o diabo não é tão feio como o pintas. Daremos um jeito nisso, e conto contigo para o meu retorno ao mundo das crônicas, ainda que de forma oculta. Dito isto, desvaneceu em retirada, não me dando tempo sequer para relembrá-lo de uma de suas frases famosas: "Impossível haver grandes homens sem grandes bobagens", por onde eu alongaria o bate-papo para enquadrá-lo justamente na sua própria máxima, por conta da proposta absurda que me acabara de fazer. Fiquei então, após o inusitado encontro, incumbido de encontrar, nesta Caixa de Pandora que é a Internet Literária, dois grandes nomes, respectivamente acompanhados de grandes bobagens, para, em cima delas, escrever as minhas crônicas. Foi então que me surgiu o nome de um bom candidato para ser o “padre de passeata” ou o Alceu de Amoroso Lima nas minhas crônicas rodrigueanas: Lau Siqueira. O colega Lau Siqueira tem um blog em http://poesia-sim-poesia.blogspot.com.br/?view=magazine — abre somente para convidados, e eu fico imaginando se essa restrição se deve a algum arrependimento por conta dessa linha criativa amorfa que escokheu — onde posta as suas composições literárias, que, embora sem pé nem cabeça, são ou, pelo menos, parecem ser bem aplaudidas. Tem, portanto, luz própria, mas se encrespa quando comento azedamente a sua “poesia-cabeça”, tendo, inclusive, me proibido de entrar na sua caixa postal. Por conta dessas características, passa ele a ser o "padre de passeata" das minhas crônicas rodrigueanas. E porque o espaço é pouco, os detalhes sobre a escolha do Lau é assunto para a próxima. Net 7 Mares net7mares@gmail.com PERFIL LITERÁRIO: https://net7mares.blogspot.com/2009/11/mar-do-ego.html
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TRAVESSIA
Lau Siqueira
Quando soltei
os camelos, já não havia deserto. Nenhuma manhã nascendo. Nenhuma Lua por perto. |
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