A CONSTRUÇÃO DE UM POEMA – Parte 1


A CONSTRUÇÃO DE UM POEMA - Parte 1

“Em resumo, fazer prosa poética é fácil; mas, uma vez feita, difícil é encontrar poesia nela, ou seja alguma coisa capaz de emocionar o leitor. Já fazer poema é difícil, mas, uma vez feito, é bem mais fácil encontrar poesia nele.”


          A costumeira crônica dá lugar, hoje, a um ensaio inspirado na pergunta feita pela amiga, de incomum verve literária e leitora assídua, Silsaboia...

          “Meu Deus, será que um dia faço um soneto?”

          ... a qual respondo, dando início ao presente estudo:

          Se, em vez de juntar-se aos seus pares, que são os cisnes escritores, você pretende permanecer no lago dos patos poetas, veja se este ensaio lhe serve para produzir um soneto; mas alerto logo que não sou mestre de coisa alguma, muito menos de Poesia. Estou apenas lhe passando a técnica própria de construção poética que criei para mim mesmo. Além disso, ainda que eu tenha vencido dois certames literários (Concurso On-line "Alzemiro Vieira de Poesias" com o soneto "Flor de Lis", e um concurso de prosas da revista NOMAR da Marinha), nem isso me dá autoridade para andar ensinando arte poética a ninguém, e, se alguma coisa tem propriedade de dar-me capacidade didático sobre o tema, essa coisa resume-se apenas numa máxima popular: "O técnico é um aleijado que ensina o atleta a correr".

          Dito isto e já devidamente justificado, vamos em frente, antecipando que o estudo percorrerá as seguintes etapas:

I – Poema, prosa poética, chave-de-ouro, e a importância deste elemento em cada um daqueles tipos de composição.

II — Rima, métrica, metáfora e tonicidade.

III – A construção de um poema. “Modus Operandis” e resumo didático.


I — POEMA, PROSA POÉTICA E CHAVE-DE-OURO

1º) — De ordinário, a construção de um soneto ou mesmo de qualquer composição poética — até mesmo uma trova — parte de uma inspiração, ou seja, de uma imagem, de um acontecimento, de um gesto... enfim, de qualquer evento, cujo epílogo, por mexer com os seus sentimentos, lhe pareça belo. A inspiração pode surgir até mesmo de uma outra composição poética lida por você. Esse evento, do qual surge a inspiração, sempre apresenta um fechamento, que se manifesta na forma de uma conclusão própria (conclusões do tipo lugar comum, ou seja, previsíveis, não servem), ou de uma surpresa. A este fechamento surpreendente ou emocionante daremos o nome de chave-de-ouro. Para melhor entendimento, vejamos alguns exemplos de fechamento:

a) — (De um dos meus): os olhos azuis da minha amada, banhado em lágrimas, pareciam-me um céu muito mais belo.

E que graça, ali, eu veria no céu?
Pois, ainda que azul e imerso em luz,
Faltava-lhe o brilho banhado em emoção,
Que eu vi no azul dos teus olhos, querida,
Marejados nas lágrimas da despedida.

b) — (No soneto “Horas Mortas”, de Alberto de Oliveira): após a visita da Poesia, esta deixou, sobre a mesa, um verso e uma saudade.

Chegas. O ósculo teu me vivifica
Mas é tão tarde! Rápido flutuas
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo apenas fica
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

c) — (Numa trova popular): Em minha mãe rezando, vi uma santa conversando com outra.

Eu vi minha mãe rezando
Aos pés da Virgem Maria
Era uma Santa escutando
O que outra santa dizia

2º) — Estabelecido o fechamento da inspiração, você tem então, como já dito, o principal elemento do poema, que é a Chave-de-Ouro, a qual deverá, óbvia e obrigatoriamente, figurar no último (ou últimos) versos da composição, principalmente se o que você pretende é montar a inspiração no formato de um soneto. Este fechamento, conforme já dito, pode ser uma conclusão incomum, ou seja, sentida apenas por você (os olhos azuis mais bonitos que o céu luminoso), ou alguma coisa imprevisível que, por assim ser, surpreenda o leitor (o que a Poesia deixou sobre a mesa ao se retirar).

          Antes de prosseguirmos, é necessário ler com atenção a observação abaixo:

OBSERVAÇÃO:
          Convém lembrar que, além da chave-de-ouro, a composição pode apresentar, ainda que não obrigatoriamente, quatro outros elementos, a saber: rima, métrica, metáfora e tonicidade. Por conta dessa desobrigação, é possível montar uma composição sem métrica, sem tonicidade e sem rima (isto é, feita de versos brancos), tal como acontece com as prosas poéticas, que se amparam, basicamente, quase que apenas em metáforas. Por dispensar rimas, métrica e tonicidade, dir-se-ia que construir prosas poéticas é muito mais fácil que montar um poema. Se a intenção é unicamente a de construir uma composição pretensamente poética, evidente que esta afirmativa é perfeitamente válida; mas se a intenção é a de montar um conjunto que exerça um certo efeito emocional no leitor, a prosa poética, para ser bem sucedida, precisa incrementar muito mais sobre o elemento chave-de-ouro, de tal forma, que o efeito da mesma sobre o espírito do leitor seja extraordinário. 


          A chave-de-ouro de uma prosa poética tem, portanto, a obrigação de suscitar no leitor um nível de emoção bem mais alto, e de tal modo, que a ausência dos outros elementos não seja sentida. Ora, se o poeta, para ser bem sucedido na sua obra, precisa usar todos aqueles quatro elementos, imagine a dificuldade do prosador poético que pretende chegar àquele sucesso, usando apenas metáforas e fechamento. Sob este aspecto de produzir emoção no leitor, o poeta, que usa todos aqueles elementos técnicos, ganha do prosador (que só usa metáforas e fechamento) com larga margem de distância. Por isso, raramente vemos uma prosa poética vencendo em concurso literário, valendo dizer ainda que são bem poucos os prosadores que conseguem um fechamento sensacional nas suas composições.

          Enfim, numa comparação grosseira e para melhor entendimento, o poeta é um maestro, cuja orquestra, onde cada elemento (rima, métrica, tonicidade e metáfora) é representado, respectivamente (mas não obrigatoriamente nesta ordem), pelos diferentes instrumentos musicais do conjunto (bateria, baixo, guitarra base, e teclado), figurando, como cantor, a chave-de-ouro; enquanto que o prosador poético aparece como uma dupla composta de um cantor e somente um instrumento qualquer de acompanhamento. Ora! Para vencer o maestro dessa orquestra, é claro que a dupla tem que ser excepcional, principalmente o cantor; mas o que a maioria dos prosadores fazem é pôr a sanfona ou o violão (metáforas) em maior destaque que o cantor, cuja voz, que já não é das melhores, acaba sufocada pelo o som do instrumento que o acompanha.

    — Todavia — diriam — em muitas prosas poética, vemos, além das metáforas, algumas rimas e alguns versos de igual metrificação.

          Sim, isso é verdade, mas o efeito dessas aparições apenas em trechos esparsos da composição soa como uma música, onde, por exemplo, a bateria e o baixo, em vez de estarem presentes na audição do início ao fim, aparecem e somem repentinamente durante a execução da música. Pegue uma música qualquer do seu agrado e, usando um software de áudio, retire e coloque, repetidas vezes, a bateria e o baixo, e veja o resultado. Concluirá logo que, a ficar entrando e saindo da execução, é melhor baixo e bateria ficarem de fora definitivamente.

          No âmbito da internet literária, pelo menos, esse quadro de aridez poética é bem mais decepcionante, vez que a esmagadora maioria dos prosadores não tem sequer idéia do que seja uma chave-de-ouro, resultando em que as suas composições acabem na condição de meras observações líricas, ou seja, relacionadas apenas com o sentimento próprio ou coisas íntimas do autor, que, em geral, interessam apenas a ele, coisa fácil de encontrar em qualquer "meu diário" das nossas adolescestes. O grande equívoco do prosador é supor que coisas do seu íntimo, que emocionam apenas a si mesmo, podem emocionar também os que lêem as suas composições.

          Em resumo, fazer prosa poética é fácil; mas, uma vez feita, difícil é encontrar poesia nela, ou seja alguma coisa capaz de emocionar o leitor. Já fazer poema é difícil, mas, uma vez feito, é bem mais fácil encontrar poesia nele.

          Dirá então o prosador:

          — Ora! Eu escrevo o que eu quero, porque a minha arte não se prende a regra disso ou daquilo. Minha arte — dirá numa explosão de razão — é livre.

          — Sim — direi em resposta — você, como qualquer outro, pode escrever o que bem quiser; todavia, quem vai estabelecer valor para a sua obra não será você, mas aqueles aos quais você a expõe. Ressalvada a hipótese absurda de você estar escrevendo para emocionar apenas a si mesmo, não faz sentido algum ocupar a atenção dos leitores com coisas que só fazem efeito, tão somente, em si mesmo, correndo aí o sério risco de topar com um Net 7 Mares, que, em recebendo os seus garrancho pseudo-poéticos e indignado com o tempo perdido em leitura insípida, disponha-se, enfurecido, a pulverizar, numa crônica jocosa, as suas pretensões poéticas.

          Por hoje, para não cansar o leitor, ficamos por aqui. Na próxima (Parte 2), focalizando sobre cada um dos demais elementos técnicos do poema (rima, métrica, tonicidade e metáfora), tal como já o fizemos com a chave-de-ouro, veremos a importância de cada um daqueles elementos na construção de uma composição (no caso, um soneto).


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Net 7 Mares

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