O COMANDANTE ASHTAR SHERAN CONVIDA

Da série “A Ufologia e Suas Maluquices”


O COMANDANTE ASHTAR SHERAN CONVIDA
Net 7 Mares

                 


Certa vez — contou-me ela — o tal guia desceu nela quando a coitada estava na fila do banco.  O preto velho, já de posse de Cremilda, fez a pobre ficar rodopiando ali no saguão do banco, toda torta, ante os olhares assustados dos presentes. Sorte dela é que logo apareceu uma entendida no assunto, que fez o troço subir. Vai ver, o santo impertinente estava precisando de algum emprestado; quem sabe?”.
O tal comandante Ashstar Sheran é um ET, velho conhecido meu, que, pessoal ou visualmente, nunca vi mais gordo. Conheci-o pelas suas supostas manifestações verbais, reproduzidas pela voz dos sensitivos que freqüentavam a SIRJA (Sociedade Interplanetária do Rio de Janeiro) lá pela década de 80. As reuniões dos membros daquele grupo ufológico — e eu era um desses — aconteciam aos sábados, e os supostos contatos com o tal comandante constituíam sempre o ponto alto da reunião.  Os encontros com o Ashstar aconteciam assim:

Com todos os presentes sentados em volta duma enorme mesa retangular, o presidente da SIRJA dava início ao contato, abrindo o que ele chamava de código. Na verdade, não havia código algum, senão uma espécie de ladainha curta em que o dirigente do grupo declarava aberto o "canal de contato", estabelecendo que não poderia haver interferência alguma de qualquer fonte espiritual no evento.  Trocando em miúdos, a gente interpretava tais palavras como uma proibição ou barreira para o caso de um preto velho vadio, uma pomba-gira, um exu ou coisa parecida tentar entrar no tal canal para abagunçar o coreto. Até aí, tudo bem... Não seria mesmo de bom-tom uma pomba-gira entrar em saracoteios sobre a mesa em plena reunião ufológica. Afinal, reza o dito popular que cada macaco deve ficar pendurado no seu próprio galho.

Aberto o código, um dos sensitivos, já sob a influência do Ashtar, começava uma cantilena enjoada numa linguagem estranha. Não sei como é o gosto musical dos ETs, mas deve ser coisa bem diferente do nosso gosto, porque a gente torcia para o comandante saciar logo o seu arrebatamento canoro.

Terminada a cantoria, o Ashtar iniciava a sua preleção do "chove no molhado", exortando a que tomássemos cuidado com a saúde do planeta; que fôssemos bonzinhos com o próximo; que limpássemos a mente, removendo dela os pensamentos negativos... Enfim, o tal Sheran, na sua invariável baleba surrada, instava a que virássemos santos, pregando coisa das quais já estávamos carecas de saber. De dizer que, no entanto, as suas exortações não surtiam efeito algum, vez que não cheguei a ver nenhum dos membros do grupo muito preocupado com o precário estado de santidade em que andavam.

Quando um dos presentes queria fazer alguma pergunta ao comandante, tinha que, primeiramente, dirigir a sua pergunta ao presidente, e só este podia dirigir-se ao Ashtar. Acho que esse cuidado tinha a ver com algum preceito hierárquico, porque o presidente perguntava em Português comum e, às vezes e estranhamente, alterava o teor da pergunta. O comandante então respondia naquele Português arrastado de padre alemão, mas respondia sempre de forma simbólica, enigmática, metafórica, e o perguntador acabava ficando na mesma.

A coisa caminhava nesse pé, até que um dia, numa das reuniões da Diretoria, na qual eu figurava como Diretor-Cultural, resolvi dar uma sacudidela naquilo tudo. Não dava mais para aturar aquela lenga-lenga vazia do tal Ashtar, as suas exortações santificantes e as suas evidentes fugas às perguntas que lhe eram feitas. Peguei o estatuto da SIRJA e mostrei a todos a cláusula que falava das finalidades científicas do grupo, ocasião em que demonstrei que as tais manifestações ashtarianas estavam a considerável distância cósmica de um processo científico sério, vez que ficávamos ali, submetidos aos discursos do tal comandante, sem prova alguma de que as manifestações verbais vinham mesmo dele. Sugeri então que, na próxima reunião do grupo, colocássemos na mesa uma mãe-de-santo umbandista. Eu já tinha essa pessoa em mente: era a minha vizinha, criatura boníssima, muito prestativa e que gostava também de ufologia. Ela, certamente, aceitaria o meu convite. A minha idéia era colocar a vizinha na mesa, orientada para convocar os seus "santos" assim que o Ashatar "baixasse" na cabeça do sensitivo.  Se os guias da vizinha comparecessem à mesa, pedindo charuto e birita em meio a "misenfis" e saravás, ficava provado que o tal código era um embuste; se, por outro lado, ela desandasse naquela cantoria ashtariana enjoada, teríamos ali um indício importante sobre a real presença do comandante ET . Ademais, como Cremilda (nome fictício da vizinha) tinha uma facilidade incrível para trazer os seus guias à Terra, ela não precisaria recorrer a recurso algum preparatório, coisas do tipo ponto-riscado ou cantiga de atração.  Aliás, diga-se de passagem, Cremilda era uma médium tão eficiente, que, muitas vezes, um preto-velho que freqüentava a sua cabeça decidia descer, sem ser chamado, onde quer que ela estivesse, deixando-a em situação bem embaraçosa. Certa vez — contou-me ela — o tal guia desceu na coitada quando ela estava na fila do banco.  O preto velho, já de posse de Cremilda, fez a pobre ficar rodopiando ali no saguão do banco, toda torta, ante os olhares assustados dos presentes. Sorte dela é que logo apareceu uma entendida no assunto, que fez o troço subir. Vai ver, o santo impertinente estava precisando de algum emprestado; quem sabe?

Agora, quando me aparece esse anúncio que está rolando na internet, dizendo que o tal Ashtar está convidando o povo para aprender curandeirismo cósmico ao preço de 90 pratas, começo a pensar que as entidades cósmicas e espirituais andam a sofrer das mesmas aperturas econômicas que vivemos aqui embaixo; e não é mesmo pra pensar em outra coisa, PÔ! Mas... Pera lá! Qualé! Noventa é nota pra botar pastor da seita Universal a subir, de alegria, pelas paredes, como lagartixa profissional. Eu, heim! Tá pensando que o meu dinheiro é capim?

Enfim, a proposta que fiz de trazer a vizinha à reunião foi rechaçada pelo presidente, e, como o seu voto era decisório, não pude dar andamento ao projeto de verificação.

Na próxima reunião, uma surpresa me aguardava: colocaram na mesa de contatos vários copos com água. Era o que faltava para entornar o caldo de vez... Perguntei o porquê daquilo, e o presidente respondeu que era uma determinação do comandante Ashtar. Aí, não deu para eu conter a gargalhada. O homem não gostou da minha reação histriônica, e eu, pouco me importando com o seu "não gostei", ainda perguntei se, ao final, teríamos que beber água benzida por ET. A sua resposta, àquela altura, não podia ser outra: solicitou a minha carta de renúncia ao cargo de Diretor, solicitação que atendi, dando-lhe as costas em busca da porta de saída, para nunca mais voltar a pôr os pés ali.

É por essas e outras que a Ufologia vem, há décadas, nesse passo de jabuti. Aí, como progresso algum acontece, aparecem os espertos, para ganhar um troco em cima dos crédulos, essa multidão que não sai de casa, sem antes ler o horóscopo. 

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