LINHAÇA É ÓLEO, E GRAMÁTICA É ÁGUA



Da série "Nelson Rodrigues Renascido"

LINHAÇA É ÓLEO, E GRAMÁTICA É ÁGUA.

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"O Jorge Linhaça foi modesto quando falou de ousadia e heresia, porque o que fez, tanto no soneto, quanto na crônica, comentada abaixo, vai muito além disso".



Recebi a visita do Jorge Linhaça na minha caixa postal. Chegou com um pacotaço de letras: cinco poemas e uma crônica, quantidade que logo chamou a minha atenção, já que, para enviar seis obras de uma vez, o remetente, que nunca vi mais gordo, deve pensar que nós, seus destinatários, somos um bando de vadios, que não tendo mais nada para fazer, quedamos enterrados no Express, consumindo dias e noites a ler mensagens.

De dizer, inicialmente, que eu e o Jorge Linhaça representamos, um para outro, ilustres desconhecidos. De minha parte, com certeza, por causa do seu sobrenome, vez que, mercê da tão intensa sonoridade, eu dificilmente esqueceria esse “Linhaça”. Da parte dele, por conjectura de inapelável probabilidade, hei de, também, ser um incógnito, pois que, soubesse ele do meu hábito de comentar sobre as obras que me enviam, e comentá-las sempre com cópias para a comunidade literária, teria tido mais cuidado com o conteúdo do pacote. De qualquer modo, visto o alerta que faz no preâmbulo do seu dueto sobre obra da Florbela Espanca... 

"Tá bom, sei que meia duzia vai achar ousadia,
outros tantos ainda considerarão uma heresia"

... devo também cogitar que, ao chegar à minha porta virtual, sabia bem dessa minha desinteressada e altruística postura de sempre atender bem aos que me buscam. Como tal conduta de atenção é uma raridade, o que eu já disse na crônica anterior repito agora: os meus comentados devem estar sempre muito gratos por eu manifestar a minha opinião sobre os seus escritos, sem choramingas por causa do meu estilo ferino de comentar e, tampouco, com o fato de eu enviar cópias dos meus comentários à comunidade literária, porque sabem, de antemão, que os erros cometidos por um são erros cometidos também por muitos; logo, se dou uma ajudinha a um, por que não ajudar também os outros? Por aí, por mais azedo que eu seja num comentário, hei de estar, por razões óbvias, sempre contando com a compreensão dos comentados. Nesse caso, o prelúdio do Jorge, destacado acima em azul, funciona como escudo de palha a defendê-lo das prováveis e esperadas críticas que poderiam desabar sobre o seu exercício poético. Se assim é, menos mal; a pancada não doerá tanto, ainda mais, depois desse prefácio-vaselina que acabei de passar e que se encerra aqui. Vamos ao comentário então: 

Tomando logo por base o lido acima em azul negrito, o Jorge foi modesto quando falou de ousadia e heresia, porque o que fez, tanto no soneto, quanto na crônica, que comento a seguir, vai muito além disso. O poema que fez em homenagem à Espanca é fraco: além de dar uma solene banana à pontuação, imprime um ritmo claudicante aos versos, que, sem métrica regular, transitam pela composição, ora, se alongando mais para a margem direita; ora, freando antes, assim como um bêbedo a tocar uma manada de porcos. Também o fechamento — se é que existe — além de pueril, é desleixado, tanto na ortografia, onde o "quanto", em nome da concordância, reclama o "s" final, quanto na pontuação. Por exemplo, o ponto de interrogação, que não compareceu no último verso. As rimas, ainda que pobres, apareceram — pelo menos, elas; né? — mas, sabe Deus como: vestidas com os trapos comuns do Particípio ("enaltecida", "perdida" e outras idas) e calçadas nos velhos chinelos dos oxítonos ordinários ("dor", "clamor", "amor"... — Ai! Que horror!). 

No mesmo contêiner, Jorge traz uma obra (O Rabino e o Menino), onde se apresenta como cronista, mas melhor teria feito se tivesse deixado o teclado em descanso. Ora... se, como poeta no dueto com Florbela, foi um pato-poeta manco, perdido entre cisnes; como cronista, virou um urubu medonho, a cutucar as entranhas de uma Gramática defunta. A pontuação, que andou sumida no poema com a Espanca, aparece na sua prosa, mas de um tal modo amalucada, que é capaz de deixar o Saramago (aquele Nobel que não sabe pontuar) morto de inveja. Na ortografia, esquecido de que nome próprio deve começar com maiúscula, reduziu um topônimo ("higienópolis") a substantivo comum e, entre outras mais barbaridades, dispensou o hífen do verbo pronominal, juntando, no seu "orientalos", o verbo ao pronome oblíquo. O Jorge, conforme diz no seu perfil, é pedagogo, e, por aí, já dá para a gente sentir bem a quantas anda o caos na Educação. Não faria mal, portanto, se buscasse uma faculdade de Letras, para uma urgente reciclagem, um cursinho de extensão ou coisa que o valha. 

De resto, a crônica termina num chove no molhado, dizendo que as relações entre pais e filhos são sempre as mesmas em qualquer ponto do planeta. Podia, então, ter colocado um título diferente na narrativa: "Descobrindo a Pólvora", onde poderia ganhar alguns pontinhos na perfeita relação entre título e texto. Ora! Se não tem nada de original ou de enfoque diferente para escrever sobre um tema, para que sacrificar o teclado e o pouco tempo que dispomos? 

Por tudo isso, o Jorge não tem razão alguma para chegar tão pimpão e tão espaçoso às nossas caixas postais, e, ainda mais, abusando de badulaques sonoros e gravuras nos fundos das suas mensagens, onde não falta nem mesmo o abominável rola-tela, essa idiotice cibernética que mais atrapalha do que ajuda, vez que a velocidade de leitura, não sendo igual em todos os leitores, obriga-nos àqueles cansativos cliques na barra de rolagem, para frear ou acelerar o rolamento do texto. 

Como escritor, portanto, parece-me um consumado desastre, e, como poeta... Bem; aí, para sorte do nosso Jorge, Florbela Espanca não está mais entre nós, os vivos, porque, se estivesse, veríamos um noviço das letras a correr, espavorido, tendo, no seu encalço, um sugestivo sobrenome famoso da poesia lusa, doido para "Espancar" um poetaço até reduzi-lo a pó... ou melhor, a óleo... de linhaça.

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