O CONDOMÍNIO INTERNET

O CONDOMÍNIO INTERNET
                   Net 7 Mares

“Depois dessas reflexões, um sentimento e uma certeza acometeram-me: o sentimento foi o de desânimo e sensação de tempo perdido nas tantas coisas que já escrevi, visto que, ainda que eu tenha sido lido, de nada adiantou, porque não vejo acontecer aquela resposta que, como era de se esperar, deveria vir dessa gente de nível mais elevado. No que toca à certeza, foi a constatação de que, nessa Internet literária, vive-se a pior das solidão: a que é vivida em grupo.”
Há, na Internet, aqueles que buscam a convivência em grupos... Em grupos literários, por exemplo. A impressão que se tem é que são, relativamente, poucos os internautas que buscam por esse tipo de aglomeração virtual, porque, nesses grupos, a gente encontra muitos nomes já vistos em outros aglomerados iguais.

Os que freqüentam esse tipo de confraria passam a impressão de que formam uma classe à parte de internautas. Eles quase não navegam por sites; eles apenas participam de grupos. Participar, aliás, não é bem o termo apropriado, porque participação implica troca de idéias, e isso é o que menos acontece em tais congregações, posto que a atividade principal exercida pela maioria consiste, quase que unicamente, em postar obras, próprias ou de terceiros, sem ninguém se importar muito com retornos na forma de algum tipo de reação. Por aí, enviam de tudo; não estabelecem critério algum no que se refere a possível interesse geral, sem contar que senso de medida é expressão sem sentido algum para eles. Enviam vários textos num só dia. Cinco, oito... Até dez textos já vi de um só autor, e eu queria estar, por alguns minutos, na mente de um desses, para sentir de perto que mecanismo estranho é esse que o leva a enviar enxurradas de textos num só dia. Queria apenas para ter certeza do que imaginam; ou seja, que todas as suas "brilhantes" letras são lidas, mesmo que ninguém se manifeste.

Mas que textos são esses que eles enviam? De que falam? Maioria é composta de prosa insossa; o restante, de mensagens hipocritamente edificantes, piadas e bobagens diversas. E quantas são respondidas? Quase nenhuma, justamente porque bem poucas são lidas. Mas esses que vivem de entulhar as listas nem querem pensar sobre essa certeza fatal: a de que vivem escrevendo para as paredes. Certa vez, sugeri a um deles que enviasse uma mensagem, em PVT, aos endereços que têm em catálogo, solicitando que respondessem, informando se seus textos vêm sendo lidos na lista de mensagens. Não me respondeu e é claro que não atendeu à minha sugestão. Meteu na cabeça que seus escritos são, ansiosamente, esperados e lidos com avidez, e segue por esta imagem. Enfim, a maioria vive dessa fantasia que montam.

Segundo imagino, o que se esperava dessa atividade em grupos era a participação interativa, senão de todos, da maioria. A velocidade da informação, as facilidades para abordagem e o bom nível cultural dos internautas são fatores que deveriam gerar um intercâmbio gigantesco de idéias e pontos de vistas. Mas isso ficou, apenas, na expectativa, porque os grupos se transformaram em depósito de textos, onde todos escrevem, e, de modo geral, ninguém lê nada de ninguém. Talvez eles, os listeiros, como são chamados, desconfiem disso, porque os sinais de que ninguém lê ninguém são bem evidentes. Mas, mesmo assim, eles prosseguem na lida inútil. O Outlook Express de cada um, no modo generalizado de dizer, está sempre carregado de mensagens não lidas, e, assim, permanece. Alguns chegam a ter mais de mil mensagens guardadas, e a idéia que passam é de que constituem, na sua maioria, uma multidão de nulidades que guardam nulidades. Nunca vão — e nem tentam ir — a lugar algum. Não criam nada; não levantam assunto algum para ser discutido no grupo. Estar à frente de um monitor ou debruçado numa janela num lugar ermo qualquer parece ser, para esses, a mesmíssima coisa. Não fazem mais nada além de se conduzirem como pacientes espectadores que ficam, dias, à espera de alguma novidade ou de algum comentário gentil às baboseiras que enviam. Há também aqueles que elogiam tudo; mas não se trata de elogio à toa, porque, por detrás do palavreado festivo, há uma busca por afagos. Ora! Como há muitos nessa mesma expectativa, logo vão formando grupinhos de amigos virtuais, onde a principal atividade é a de baterem palmas entre eles, e é, por aí, nessa enganação mútua, que se realizam.

Diante dessa realidade, acabei concluindo que faço parte do bloco do "eu sozinho", porque não vi, até hoje, em grupo algum, ninguém levantando alguma bandeira; tampouco alguém comentando trabalho de alguém. Nunca vi ninguém, a não ser a mim mesmo, buscando algum tipo de reação nos elementos dessa estranha e gigantesca comunidade, que usam o mais poderoso instrumento da comunicação para, apenas, render homenagens ao silêncio tagarela, transmitindo trocentas mensagens, mas sem responder a nenhuma dos demais. Parecem aqueles panfleteiros de condomínio pobre, que vivem pregando propagandas nas paredes, às quais ninguém presta a menor atenção. Mas o que melhor me enquadra como componente do bloco solitário, é o fato de não saber de ninguém que tenha acumulado tantas expulsões em grupos. E, por que sou expulso? Apenas, por querer dar uma face mais interativa ao grupo, cutucando um e outro em comentários sobre o que postam no grupo, aqui e ali, a ver se reagem. Alguns reagem, mas quando o fazem, seguem pela mesmíssima cartilha desaforada de sempre, usando linguajar chulo, mesclado a cogitações sombrias sobre minha saúde mental e ofensas gratuitas. Nenhuma novidade aí, porque, conforme já sabemos, o diferente está fadado à crucificação. Fora disso, a atividade principal que parecem exercitar é a de repassar textos de terceiros e, muitas das vezes, anônimos. Parece haver, enfim, um mandamento supremo, seguido, ao pé da letra por todos os listeiros: "não comentarás nada; se muito, elogia apenas".

Depois dessas reflexões, um sentimento e uma certeza acometeram-me: o sentimento foi o de desânimo e sensação de tempo perdido nas tantas coisas que já escrevi, visto que, ainda que eu tenha sido lido, de nada adiantou, porque não vejo acontecer aquela resposta que, como era de se esperar, deveria vir dessa gente de nível mais elevado. No que toca à certeza, foi a constatação de que, nessa Internet literária, vive-se a pior das solidão: a que é vivida em grupo. E, para dar um fechamento a crônica, vale narrar, aqui, um episódio acontecido, ontem, no condomínio onde moro:

Ao sair do meu apartamento, vi um funcionário do condomínio, composto de vinte blocos de apartamentos, afixando alguns papéis na vidraça da porta principal do meu prédio, e uma das moradoras, a vizinha do primeiro andar, aproximando-se do mesmo, dizendo: — "De novo, mais papéis? Que perda de tempo! Ninguém, aqui, lê coisa alguma que é pregada nas paredes, moço" — O funcionário continuou seu trabalho, sem responder um pio à moradora. Naquele momento, outros moradores iam passando, sem, sequer, olhar, nem para os anúncios colados na vidraça, nem para cara de ninguém; e eu acerquei-me, então, dos papéis a ver o que estava ali escrito, ao que a moradora completou: — "Só mesmo o vizinho do 303 — referindo-se a mim — É o único que lê" — e entrou, batendo a porta com alguma violência, como se estivesse me censurando.

Os papéis continham avisos, recomendações de segurança, prestação de contas — onde o imbatível item "Diversos" é, sempre, o campeão de gastos — e alguns pequenos "comerciais". Havia, também, uma proposta para batizar o prédio com um nome, de modo a retirar do complexo residencial a conotação comum de bloco número tal. Orientava a que os moradores colocassem sugestões de nomes na caixa da Portaria. "Assim — dizia, ainda, o texto exortativo — o condomínio assume o natural status de classe média, livrando-se desses indicativos (quadra, lote, bloco etc) típicos de loteamentos ou de cemitérios.

Afastei-me do local, algo assustado com o fato de a vizinha não saber o meu nome e, tampouco, eu o nome dela, apesar residirmos no mesmo prédio há mais de 5 anos, ao tempo em que ia se formando na minha mente uma premonição: a de que, quando a autora da interessante idéia abrir a tal caixa, chegará à conclusão de que nada mudará, e o condomínio permanecerá mesmo com jeitão de cemitério, porque ninguém — melhor dizendo, quase ninguém — terá dado sugestão alguma de nome para o seu bloco, à exceção do meu, o bloco 7, onde, na tal caixa de sugestões, encontrará uma solitária sugestão de nome: Edifício Internet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fale com Net 7 Mares e, caso queira resposta, assine com o seu endereço de e-mail. O seu texto e endereço de e-mail serão lidos por mim, mas, para evitar a publicação do seu e-mail no blog, não serão aprovados.