O DISCURSO DO RATO

Da série “Nelson Rodrigues Renascido”

O DISCURSO DO RATO

                Net 7 Mares

 

Um ensaio crítico sobre a obra "Como Realizar Sonhos e Desejos", de Celso Afonso Brum Sagastume

“Li e reli este trecho duas, três vezes, a ver se encontrava interpretação diferente, mas foi em vão. A recomendação do Celso não pode ser outra quando fala de imaginação e fantasia. Eis o que ele nos propõe para os casos de amor não correspondido: pura e simplesmente a masturbação”.

Sou conhecido, por muitos da comunidade literária internauta, por conta de três características. A primeira: não deixo sem resposta os que vêm à minha caixa postal, portando obra escrita e, tacitamente, solicitando opinião sobre a mesma; a segunda: quando respondo, uso da mais cristalina franqueza sobre o conteúdo; e a terceira: não tenho compromisso algum com possíveis suscetibilidades dos autores cujas obras comento. O meu compromisso é com os meus leitores, que apreciam o meu estilo avesso a eufemismos. Aqui, abro um parêntese, para inserir uma curiosidade: antes de adotar as citadas condutas, a minha caixa amanhecia lotada de obras enviadas por gente que sequer por nome eu conhecia. Depois que passei a comentá-las, sempre com cópias para trocentos endereços da comunidade literária, praticamente estranho algum voltou a bater na minha porta postal, trazendo suas obras-primas, que, segundo eles, os autores remetentes, merecem efusivos aplausos dos destinatários. Esses visitantes não sumiram assim em definitivo; vez em quando, aparece algum desavisado, como este mais recente, o Celso Afonso Brum Sagastume, estendendo o chapéu emborcado, dentro qual espera que eu pingue as guloseimas do elogio gratuito, cuja quantidade na minha despensa é tão escassa quanto o são os escrúpulos do nosso “ex-prizidenti” bebum.  O Celso chegou, portando a sua obra (ou “livrinho”, como ele o rotula) "Como Realizar Sonhos e Desejos". Fecho o parêntese e prossigo, entrando já com o meu parecer:

Inicialmente, convém inserir aqui um excerto desse tal livreto de apenas 32 páginas, conforme pude conferir no formato PDF que chegou-me aos olhos, vez que, amparado e até animado pelo que diz, é que pretendo expor os meus gostos e desgostos relacionados com o conteúdo do livro.

"
A pessoa com senso crítico levanta dúvidas sobre aquilo em que se comunmente acredita, e explora rigorosamente alternativas através da reflexão e avaliação de evidências. Ela não aceita passivamente as idéias dos outros. O senso crítico exige o reconhecimento de que nossas idéias não são fatos, e que podem ser questionadas. " (Celso Afonso Brum Sagastume).

Muito bem! Fico então bem à vontade para escrever sem o receio de produzir melindres.

Antes de dar início à leitura, vistos os pretensiosos objetivos da obra e considerando que o autor pretende abordar, nessa franciscana quantidade de páginas, um tema que envolve questões de diversas áreas do conhecimento humano, assomaram-me à mente imediatas cogitações: ou o autor é um doido que, evadido ou escorraçado de algum hospício, pretende passar, na escrita, imagem de lucidez; ou é uma sumidade em termos de concisão; ou, por fim, apenas um bem intencionado, que quer ajudar a Humanidade, mas, não sabendo como fazê-lo, envereda pelo discurso do tipo “jogar água no mar”. Aboli, dessas cogitações, a de se tratar de um esperto que pretende enriquecer, escrevendo livros de auto-ajuda, porque essa imagem não combina com as suas exortações a que as pessoas busquem as suas obras em bibliotecas públicas ou em sebos. Aliás, foi justamente por causa desse seu implícito desprendimento, é que, para ter a sua obra logo no vídeo, animei-me a baixá-la, no formato PDF, de um desses sites magnânimos, que oferecem, graciosamente, obras alheias.

Vez que não firmo compromissos com imagens, senão com fatos, não me restou alternativa senão a de ler a obra, e assim fiz até chegar à página 23, onde percebi que não precisava seguir adiante na leitura, para ter, da mesma, uma visão real quanto àquelas pretensões. Veremos logo como isso aconteceu

Alguns dos meus poucos leitores, senão todos, conhecem muito bem a fábula do rato que, na reunião com os seus iguais, apresentou brilhante idéia para protegê-los do gato que vivia na mesma casa: pendurar um sininho no pescoço do bichano. O criativo rato foi bem aplaudido, mas restou uma questão: como fazer para pendurar o tal guizo no pescoço do felino?

Em muitos aspectos, o folheto do Celso apresenta-se como o discurso do tal rato: diz o que tem que ser feito, mas não diz como fazê-lo, ou, quando o diz, apresenta solução absurdo-histriônica. Vejamos um exemplo na página 17, capítulo COMO FAZER SEXO COM A PESSOA QUE DESEJA. (Certamente, o autor quis dizer, PESSOA DESEJADA, em vez de PESSOAS QUE DESEJA. Mas deixemos o verbo transitivo nessa condição de órfão do seu complemento, assim ao gosto de Celso, porque, se entrarmos em apreciações gramaticais, quem vai acabar escrevendo um livreto aqui serei eu. Vejamos então o que ele diz nesse capítulo:

"COMO FAZER SEXO COM A PESSOA QUE DESEJA 
Isso é muito fácil, considerando que o sexo está mais em sua cabeça do  que  no  seu  corpo.  É  só  usar  a  imaginação  e  realizar  todas  as  suas fantasias.  Se  quiser  algo  mais  concreto,  escreva  um  conto  erótico envolvendo  a  pessoa  desejada.  Acrescente  uma  foto  dela,  se  conseguir.
Mais  concreto  ainda?!  Aproxime-se  dela,  tente  ver  suas  chances  e  faça um jogo de sedução
”.

Li e reli este trecho duas, três vezes, a ver se encontrava interpretação diferente, mas foi em vão. A recomendação do Celso Sagastume não pode ser outra quando fala de imaginação e fantasia. Eis o que ele nos propõe para os casos de amor não correspondido: pura e simplesmente a masturbação. Mas não fica apenas nessa sugestão. Para os casos em que o leitor (ou leitora), por escrúpulos morais ou religiosos ou qualquer outra razão, não logre sucesso no sexo solitário, ele recomenda o exercício literário e, de preferência, mirando a foto do seu inatingível amor. E se o(a) infeliz não tiver veia literária? Aí, não tem outro jeito, senão o de abordar direta e pessoalmente a musa dos seus sonhos, praticando o que ele chama de “jogo de sedução”.

Foi difícil conter a intensa vontade de dissertar sobre esse tal jogo sedutor proposto pelo Celso, até porque, no exercício, imaginando como seria o “modus operandi” da coisa, eu encontraria, facilmente, elementos interessantes que dariam um tempero mais pitoresco às minhas letras.  O respeito ao tempo e paciência do que me lêem serviu-me de freio.

É fácil imaginar o Celso, de tão eufórico com esta sua solução, festejar o feito, subindo pelas paredes como uma lagartixa profissional, tanto quanto não é nada difícil concluir que o autor desconhece aquela fábula do ratinho criativo, posto que, ao propor essa abordagem lacunosa, sem metodologia, sequer um passo-a-passo, ele propõe aos seus leitores a que pendurem um guizo no pescoço de um gato; e os meus leitores ficam sabendo, aqui, o porquê de eu não ter passado da página 23 do seu “livrinho”.

Em outras situações, a sua arenga entra pelo campo do "chovendo no molhado", e, finalmente, passa a imagem de que o seu manual de felicidade foi escrito para imbecis. Vez que estes não lêem, o que se pode dizer da obra é que se trata de consumada inutilidade.

Todavia, pelo menos no que toca ao seu estilo literário, alguma coisa se salva. A boa fluência da sua escrita e a forte inclinação à concisão podem, por exemplo, ser bem aproveitadas na redação de manuais de aparelhos eletro-domésticos, tutoriais de programas de computador e coisas do tipo, que requerem aquelas qualidades.  Neste campo, certamente, o Celso terá o devido reconhecimento, e os seus leitores pedirão “BIS”, como na ópera.

Do ambiente do interior humano, entretanto, convém afastar-se, porque o resultado acaba sendo este que acabamos de ver: um escritor algo parecido com um rato que, espavorido, com medo de algum gato, escreve às pressas, ansioso por chegar logo ao ponto final.

  
Para os que não têm como atender à sugestão do Celso por não terem biblioteca pública ou sebo por perto, eis o link por onde a obra dele pode ser baixada:

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